top of page
Buscar
  • Foto do escritorGleisson Brito

Exercício e Câncer - Parte II

Continuando a discussão a respeito dos efeitos do exercício sobre o câncer, nesta postagem vamos aprofundar um pouco nos mecanismos biológicos que correlacionam as adaptações promovidas pelo exercício que também promovem proteção e melhoram a defesa contra o desenvolvimento de tumores.


Etapas do desenvolvimento do câncer (Fonte - INCA)



Exercício, obesidade e risco de câncer


A importância dos biomarcadores na pesquisa em exercício e câncer


O sobrepeso e a obesidade são considerados fatores de risco no desenvolvimento de diversos tipos de câncer, incluindo adenocarcinoma do esôfago, câncer de cólon, câncer de mama (mulheres pós-menopausa), câncer de endométrio e câncer renal. Evidencia epidemiológica também indica que cânceres de fígado, vesícula biliar e pâncreas estão relacionados à obesidade, podendo ainda estar elevado o risco de cânceres hematopoiéticos e de câncer agressivo de próstata. A etiologia da tumorigenese associada à obesidade é relacionada a resistência à insulina, a hiperinsulinemia, aumento em hormônios esteróides, hiperleptinemia e inflamação. A resistência a insulina desenvolve-se como uma adaptação a níveis circulantes elevados de ácidos graxos livres liberados do tecido adiposo, especialmente o intra-abdominal, sendo geralmente compensada por um aumento na secreção de insulina pelo pâncreas. Existe evidência epidemiológica e experimental para indicar que a hiperinsulinemia crônica eleva o risco de câncer de cólon e endométrio e provavelmente outros tumores como pancreáticos e renais. Em adição, níveis séricos elevados do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) também está associado a diferentes formas de câncer. Por exemplo, altos níveis circulantes de IGF-1 e baixos níneis da proteína ligadora de IGF (IGFBP-3), são associados com aumento no risco de câncer de cólon, mama, próstata e pulmão.


Contudo, níveis circulantes elevados de estrógenos são provavelmente os principais fatores medidores do risco aumentado de cânceres de mama (pós menopausa) e endométrio, em mulheres com sobrepeso ou obesas. Os adipócitos possuem a maquinaria enzimática necessária para a conversão de andrógenos a estrógenos, sendo o principal local de síntese de estrógenos em mulheres pós menopausa e em homens. Além disto, em 4-8% das mulheres pré-menopausa, a obesidade e a resistência a insulina podem tanto causar como agravar a síndrome do excesso de andrógeno ovariano (síndrome do ovário policístico) e deficiência crônica de progesterona. Há forte evidência de que a soma de tais eventos eleva o risco de câncer endometrial.

Hipotetiza-se ainda que eventos menstruais e reprodutivos influenciem a iniciação e a progressão do câncer. Aumento no tempo de exposição a estrógenos durante a vida devido a uma menarca em idade precoce, menopausa em idade avançada, primeiro filho em idade avançada, falta de lactação, e maior número de ciclos ovulatórios são fatores de risco para câncer de mama. Adicionalmente, a elevada densidade mineral óssea, um marcador de alta exposição a estrógenos durante a vida, é relacionado a aumento no risco de câncer de mama. Existe também ainda, forte relação entre aumento no risco de câncer de próstata com aumento nos níveis séricos de testosterona.


Neste sentido, diversos estudos foram conduzidos no intuito de avaliar os efeitos do exercício em biomarcadores do câncer. Em um estudo clínico randomizado de 12 meses, McTiernan e colaboradores analisaram os efeitos do exercício nos níveis circulantes de estrógenos em mulheres sedentárias saudáveis. Demonstraram que o exercício de intensidade moderada (45 minutos por dia, 5 dias por semana) reduz os níveis séricos de estrógenos. Este efeito se dá por redução da conversão periférica de andrógenos adrenais em estrógenos e por aumento nas concentrações de globulinas ligadoras de hormônios sexuais (SHBG), que competitivamente ligam-se a estrógenos e andrógenos, reduzindo assim os níveis destes hormônios. O exercício crônico também reduz os níveis circulantes de IGF-1, por aumentar suas proteínas ligadoras (IGFBP-3).


Biomarcadores, adiposidade e tumorigênese


Outros hormônios associados à obesidade, que tem o tecido adiposo como local de síntese, vem recebendo grande atenção por uma provável relação com a etiologia do câncer. De fato, o tecido adiposo sintetiza e secreta na circulação uma ampla variedade de hormônios com funções relacionadas ao processo inflamatório, crescimento celular e diversos aspectos metabólicos. Destes, a leptina é provavelmente o hormônio cujas funções foram mais bem estudadas nos últimos anos, sendo de grande importância em mecanismos centrais de regulação da saciedade.


Surmacz mostrou que a leptina é hiper expressa no câncer de mama e que esta hiper expressão esta associada ao excesso de insulina, outro hormônio vinculado ao câncer de mama, e uma condição metabólica comum em pessoas com sobrepeso. Uma possível relação entre a atividade promotora de crescimento da leptina e uma eficiência reduzida de drogas quimioterápicas tem sido investigada atualmente. Outros hormônios sintetizados pelo tecido adiposo agem potencializando os efeitos dos ácidos graxos livres sobre a resistência a insulina, como é o caso do fator de necrose tumoral (TNFα) e da resistina. Leptina, TNFα e resistina são ainda importantes mediadores de processos inflamatórios.


De modo geral, as doenças crônicas não transmissíveis são caracterizadas por um quadro inflamatório crônico, com aumentada concentração de mediadores inflamatórios na circulação, tais como TNF-α. De fato, a inflamação esta associada ao desenvolvimento do câncer, e o exercício regular exerce efeitos positivos reduzindo as concentrações de mediadores e marcadores inflamatórios.


Como o exercício interfere em processos inflamatórios?


O músculo esquelético como um órgão endócrino


Músculo esquelético secretando IL-6, e representação esquemática de suas possíveis funções.

Os efeitos do exercício sobre a inflamação são mediados por diversos mecanismos, contudo, a descoberta de que o músculo esquelético produz e secreta na circulação moléculas com função anti-inflamatórias tem recebido grande atenção na literatura atual. Dentre estas, a interleucina 6 (IL-6) é consideradas uma das mediadoras dos efeitos protetores do exercício em patologias que envolvem quadros inflamatórios, como diabetes, aterosclerose e câncer. Esta citocina é produzida pelo músculo esquelético durante contração muscular e suas concentrações aumentam até 100 vezes acima aquelas observadas no repouso. IL-6 exerce efeitos potencialmente antiinflamatórios, de modo marcante, sua habilidade em inibir moléculas próinflamatórias (ex. TNF-α) esta bem estabelecida atualmente. Outros efeitos do exercício envolvem alterações nas enzimas responsáveis pela síntese de importantes mediadores inflamatórios, como por exemplo, a enzima ciclooxigenase-2 (COX-2), reduzindo produção de prostaglandina E.


Exercício e função imunitária


Os efeitos da atividade física sobre a função imunitária são sugeridos como um mecanismo adicional na prevenção do câncer. Uma hipótese é a de que a atividade física possa melhorar o número e a função de células natural killer (NK), as quais têm importante função na supressão do crescimento tumoral. Existe uma relação dose-resposta que resulta um gráfico em forma de J invertido com atividade física moderada resultando em melhora, enquanto atividade exaustiva leva a decréscimo de diversos parâmetros da função imunitária. Contudo, os efeitos da atividade física nas funções imunes relacionada à prevenção do câncer carecem de mais investigações.



Correlação entre função imunitária, risco de infecção e volume e intensidade de exercício


Em resumo, a atividade física de intensidade moderada esta associada a risco reduzido de diversos tipos de câncer, incluindo câncer de mama, cólon e endométrio. A atividade física melhora ou reverte as principais disfunções fisiológicas relacionadas com um risco aumentado do desenvolvimento destes cânceres, como resistência á insulina, hiperinsulinemia, hiperglicemia e diabetes tipo 2. A atividade física reduz os níveis de estrógenos e andrógenos, e também modula a função menstrual, principalmente por seu efeito sobre a adiposidade. A atividade física ainda reduz o quadro de inflamação sistêmica, tanto de modo independente como dependente dos seus efeitos sobre a adiposidade. Para diversos tipos de câncer, um efeito dose-resposta parece existir, com sessões mais longas de exercício, ou sessões mais intensas promovendo uma redução maior no risco de desenvolvimento da doença. De fato, atividade moderada a intensa, com duração de 45 ou mais minutos, cinco ou mais dias é necessária para maior metabolização de gordura corporal acumulada e para modificar funções fisiológicas como as concentrações de insulina, estrógenos, andrógenos, prostaglandinas e a função imune.


Como este é um tema de grande complexidade e muito extenso, um último post será produzido abordando os aspectos relacionados a prescrição do exercício para tratamento do câncer.


Até lá,


E não se esqueça


Tenha uma alimentação saudável, e pratique atividade física.


McTiernan A, Tworoger SS, Ulrich CM, Yasui Y, Irwin ML, Rajan KB, Sorensen B, Rudolph RE, Bowen D, Stanczyk FZ, Potter JD, Schwartz RS. Effect of exercise on serum estrogens in postmenopausal women: a 12-month randomized clinical trial. Cancer Res. 2004 Apr 15;64(8):2923-8.


McTiernan A, Ulrich C, Slate S, Potter J. Physical activity and cancer etiology: associations and mechanisms. Cancer Causes Control. 1998 Oct;9(5):487-509.


Meijer EP, Goris AH, van Dongen JL, Bast A, Westerterp KR. Exercise-induced oxidative stress in older adults as a function of habitual activity level. J Am Geriatr Soc. 2002 Feb;50(2):349-53.


Calle EE, Kaaks R. Overweight, obesity and cancer: epidemiological evidence and proposed mechanisms. Nat Rev Cancer. 2004 Aug;4(8):579-91.


Carroll KK. Obesity as a risk factor for certain types of cancer. Lipids. 1998 Nov;33(11):1055-9.


Yu H, Rohan T. Role of the insulin-like growth factor family in cancer development and progression. J Natl Cancer Inst. 2000 Sep 20;92(18):1472-89.


Dorgan JF, Longcope C, Stephenson HE Jr, Falk RT, Miller R, Franz C, Kahle L, Campbell WS, Tangrea JA, Schatzkin A. Relation of prediagnostic serum estrogen and androgen levels to breast cancer risk. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 1996 Jul;5(7):533-9.


Toniolo, P. G. Endogenous estrogens and breast cancer risk: the case for prospective cohort studies. Environ. Health Perspect. (1997) 105(suppl. 3):587–592.


Cauley JA, Lucas FL, Kuller LH, Vogt MT, Browner WS, Cummings SR. Bone mineral density and risk of breast cancer in older women: the study of osteoporotic fractures. Study of Osteoporotic Fractures Research Group. JAMA. 1996 Nov 6;276(17):1404-8.


Gann PH, Hennekens CH, Ma J, Longcope C, Stampfer MJ. Prospective study of sex hormone levels and risk of prostate cancer. J Natl Cancer Inst. 1996 Aug 21;88(16):1118-26.


McCarty MF. Up-regulation of IGF binding protein-1 as an anticarcinogenic strategy: relevance to caloric restriction, exercise, and insulin sensitivity. Med Hypotheses. 1997 Apr;48(4):297-308.


Trayhurn P, Stuart I W Adipokines: inflammation and the pleiotropic role of hide adipose tissue. British Journal of Nutrition (2004), 92, 347–355.


Tilg H, Moschen AR. Adipocytokines: mediators linking adipose tissue, inflammation and immunity. Nat Rev Immunol. 2006 Oct;6(10):772-83. Epub 2006 Sep 22.


Surmacz E. Obesity hormone leptin: a new target in breast cancer? Breast Cancer Res. 2007;9(1):301.


Petersen AM, Pedersen BK. The anti-inflammatory effect of exercise. J Appl Physiol. 2005 Apr;98(4):1154-62.


268 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page