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  • Gleisson Brito

A vitória depende da “raça” do atleta?

Atualizado: 10 de ago. de 2023

A questão da raça é tema recorrente. Há poucos dias, a atleta do salto triplo Voula Papachristou foi expulsa da delegação grega dos jogos olímpicos de Londres. O motivo? Um comentário no twitter cujo teor foi considerado racista pelo Comitê Olímpico da Grécia. A atleta chegou a pedir desculpas via Facebook, mas já era tarde, a decisão estava tomada.

É fato que, nos esportes de alto nível, fatores biológicos contribuem significativamente na performance! Mas será que existe um componente racial que determine o sucesso de um atleta de elite? Alguma vez você já se perguntou se existe relação entre “raça” e desempenho em determinados esportes?


Imagem adaptada de: Fonte


Mas afinal, o que é raça?


Em biologia, raça é uma subespécie. O prefixo “sub” aqui não denota inferioridade, mas uma sub-divisão. Um grupo menor, biologicamente distinto, de organismos dentro de um grupo maior. Por exemplo, os cães fazem parte da subespécie Canis lupus familiaris, e diversass raças podem ser facilmente reconhecidas dentro desta espécie, espalhadas pelo globo terrestre. Mas, e dentro da espécie Homo sapiens, será que isto acontece? Existem raças humanas? Asiáticos, negros e brancos são classificações raciais?


Se quisermos inferir uma fundamentação genética para as diferenças entre as pessoas, a única maneira possível é por meio da coleta de informações genéticas. E a comparação de dados genéticos entre diferentes populações humanas provê informações notáveis. Por exemplo, nigerianos e dinamarqueses apresentarão diferenças consistentes em compleição física, linguagem e formato do crânio, mas uma surpreendente similaridade genética. De fato, muitas variações morfológicas observadas em diferentes populações humanas correspondem a uma resposta dos organismos ao ambiente em que vivem.


Distribuição geográfica da espécie Homo sapiens


O desenvolvimento do corpo humano apresenta plasticidade suficiente para que, na presença de diferenças sutis nas condições de crescimento e condições de vida, possa ser modificado de modo significativo. Diferentes regiões geográficas, diferentes padrões alimentares e diferente padrão de exposição aos raios ultravioleta são fenômenos que podem modificar a compleição física humana. De fato, os seres humanos apresentam uma incrível diversidade de tamanhos, cores e formas e, quando comparados a outros mamíferos, esta variação morfológica é significativamente maior entre humanos. Contudo, a variação genética entre as populações humanas é menor que aquela observada entre outras espécies.


Quando são investigados aspectos bioquímicos como o DNA mitocondrial, o DNA nuclear, a sequência de aminoácidos em uma proteína ou as regiões do DNA que não codificam proteínas, o que se verifica é que a variação humana entre as populações é muito pequena. Na maior parte dos casos insuficiente para explicar, isoladamente, as variações morfológicas observadas visualmente. De fato, todas as populações humanas apresentam aproximadamente a mesma variação genética.


A ferramenta estatística utilizada para acessar a variação é denominada Fst, que revela a fração de variação encontrada entre amostras. No caso do Fst genético, esta variação se refere a frequência de um determinado alelo (cópia de um gene), e as amostras são as diferentes populações. Um Fst de 0.0 indica ausência de diferenças, e um Fst de 1.0 indica que as populações comparadas são 100% diferentes uma da outra. Entre populações humanas, os valores variam de 0.03 e 0.17. (Para o DNA mitocondrial os valores chegam a 0.24, mas existe muito menos variação no DNA mitocondrial que no DNA nuclear, em parte porque o DNA mitocondrial é herdado apenas da mãe).


Traduzindo, isto significa que as populações humanas variam geneticamente na faixa de 3 a 17%. Isto é muito ou pouco? Para uma comparação, uma população de cervos da Carolina do Norte e uma população de cervos da Flórida apresentam um Fst de 0.7. Ou seja, estas duas populações apresentam maior variação genética que populações humanas da américa central, ásia central e áfrica central. Em outro exemplo, se compararmos dois humanos quaisquer de quaisquer dois locais do planeta, a diferença genética entre eles será em média um quarto da diferença encontrada entre quaisquer dois chimpanzés na áfrica.


A variação da cor da pele humana:


Dentre as variações na aparência humana, certamente a mais enfatizada, e menos compreendida, é aquela relativa às tonalidades de cor da pele. É interessante notar que as diferenças na coloração da pele não se devem exatamente a uma questão de cor. Seres humanos possuem um pigmento denominado melanina, que juntamente com a espessura da pele, os vasos sanguíneos e outro pigmento denominado caroteno, influenciam a aparência da pele. Em termos de coloração, existe pouca variação na pele humana. De fato, o que promove a maior variação é a distribuição da melanina no epitélio estratificado, o que resulta em diferenças na luz absorvida e na luz refletida.


Este pigmento é produzido por um tipo celular denominado melanócito. O número de melanócitos não varia de modo significativo de uma pessoa para outra, mas a densidade da melanina sim. Quanto mais melanina é produzida e distribuída pela epiderme, menor quantidade de luz branca é refletida, e mais luz ultravioleta (UV) é bloqueada. A luz ultravioleta pode causar danos severos na pele levando, por exemplo, ao aparecimento de melanomas (câncer de pele), e pode também destruir uma molécula essencial ao desenvolvimento fetal, o ácido fólico. Se observarmos que a radiação UV tem maior incidência nas menores latitudes (próximo a linha do equador), e menor nas altas latitudes (próximo aos polos), e sobrepormos este dado com aquele referente a variação nos tons de pele no globo, é notável o quadro que se compõe. A variação na produção de melanina em diferentes regiões geográficas esta intimamente associada a intensidade da radiação UV.


Intensidade da radiação UV. Maior próximo a linha do Equador, e menor nos polos.


Distribuição de tons de pele. Observe o padrão em relação ao gráfico anterior.


A importância deste dado para a biologia humana é significativo. Por exemplo, é essencial que obtenhamos uma quantidade mínima de radiação UV, uma vez que a produção de vitamina D na pele é dependente deste processo. Assim, em regiões onde a incidência de luz UV é baixa (próximo aos polos), a menor produção e distribuição de melanina é uma adaptação essencial à saúde humana. Contudo, uma vez que altos níveis de radiação UV podem ser prejudiciais, nas regiões em que este estresse ambiental está presente (próximo a linha do Equador), a produção de maior quantidade de melanina passa a ser fundamental.


Estas adaptações somente podem ser entendidas do ponto de vista da história humana. Populações humanas vivendo em diferentes regiões, durante longos períodos de tempo, gradativamente adaptam sua biologia as exigências do ambiente. Em curto prazo as coisas não são tão simples. Qualquer um sabe que um verão na praia não é suficiente para transformar uma pele branca em negra (apesar do bronzeamento), nem um inverno passado na gélida Sibéria irá converter uma pele negra em branca.


Em resumo, a variação na cor da pele é consequência de diferenças na concentração de melanina na epiderme. Diferentes humanos possuem aproximadamente o mesmo número de melanócitos, contudo, a atividade destas células está intimamente associada a adaptações decorrentes da exposição à luz UV. Maior produção de melanina leva a uma pele de tom mais escuro, e menor produção a uma pele de tom mais claro.


E as diferenças no desempenho esportivo?


Variação entre indivíduos, no que diz respeito ao desempenho esportivo, é um fato amplamente observado tanto na população comum, como entre atletas de alto nível. Este fenômeno limita significativamente a habilidade dos cientistas do esporte predizerem quais atletas, dentre um grupo de elite, se tornaram campeões mundiais. As coisas complicam quando se observa que ainda não há um entendimento completo a respeito da interação entre fatores biológicos, variações no treinamento e na recuperação, bem como de fatores demográficos e sociopolíticos sobre a performance competitiva.


Muitos dos estudos bem controlados na realidade não são realizados com atletas de ponta, e aqueles que realmente investigam estes indivíduos demonstram que a performance competitiva não pode ser atribuída a capacidades físicas inatas de maneira isolada. Atualmente, avanços recentes na área de biologia molecular e da genética tem sido aplicados no estudo da performance esportiva. Em conjunto com as clássicas análises fisiológicas e bioquímicas, estes estudos tentam desvendar as respostas dos atletas de elite a diferentes regimes de treinamento e de recuperação. Estes estudos tem revelado a importância da integração de fatores genéticos, bioquímicos e fisiológicos, bem como da importância de uma abordagem multidisciplinar incluindo aspectos psicológicos e nutricionais no desempenho esportivo.


No que diz respeito a genética, de fato parece existir uma relação entre genes e desempenho esportivo. Que relação é esta? Os pesquisadores demonstraram que determinados alelos (variações de genes) podem predispor, e muitas vezes prever a capacidade esportiva. Neste sentido, provavelmente os dois genes mais famosos são ACE e ACTN3. Foi proposto inclusive que o ACTN3 poderia prever habilidade esportiva já na infância. Centenas de outros genes vêm sendo associados com o desempenho esportivo, e é possível encontrar uma ampla gama de dados a este respeito na literatura científica.




É importante notar que as variações genéticas que parecem propiciar melhor desempenho esportivo ocorrem naturalmente na população como um todo. Podem inclusive apresentar um padrão hereditário e, muitas vezes, explicar o engajamento de diversos membros da mesma família em atividades esportivas. Ainda assim, é difícil estabelecer quantitativamente qual o papel dos genes na performance. Por exemplo, é complicado, se não impossível, estabelecer um valor para a performance no futebol ou no basquete. Na realidade, estas variações genéticas estão relacionadas principalmente com a predição de qual será a capacidade aeróbia máxima, ou qual será a máxima capacidade para geração de força.


Na prática, você pode ser portador de um gene que facilite as coisas para desenvolver força ou desenvolver resistência, mas isto esta longe de determinar que será o campeão de seu esporte favorito nas próximas olimpíadas. Ademais, existe uma ampla gama de fatores demográficos e sociopolíticos que afetaram a prática esportiva e que poderão ser determinantes na revelação de um novo campeão mundial. Por exemplo, existe boa probabilidade de que o próximo campeão de esqui ou snowboard venha de uma região onde há neve. Um governo que incentive o esporte pode obter bons resultados nos jogos mundiais. E muitos outros fatores poderiam ser citados.


Mas afinal, existe um fator racial que determine o desempenho dos atletas?

Definitivamente, as variações genéticas relacionadas ao desempenho esportivo não são suficientes para falarmos de raças ou grupos humanos biologicamente bem delimitados. Lembre-se de que a variação genética humana entre duas pessoas escolhidas aleatoriamente, de quaisquer locais do globo, é extremamente pequena. Outro fator importante é o fenômeno denominado fluxo gênico. Diz respeito ao fato de que os genes não ficam restritos a nenhuma região do globo. Toda vez que alguém faz uma viajem internacional, os genes viajam com seus “proprietários” para os locais mais variados. Muitas vezes, o acaso proporciona oportunidades inusitadas, e os genes podem ser transmitidos a uma nova geração, fruto da interação de etnias diferentes.



Raças humanas não existem!


O fato é que “raça”, no sentido em que a palavra usualmente surge no discurso “politicamente correto”, não é uma realidade biológica. Antes, é um conceito socialmente construído, baseado na percepção de características demográficas, culturais e sociopolíticas de diferentes grupos humanos. Do ponto de vista da ciência somos todos afrodescendentes. Oriundos de uma população que, ao que indicam as evidências atualmente disponíveis, deixou o continente africano a aproximadamente 50/70 mil anos para povoar todos os cantos da terra. Não existe nenhuma evidência, obtida de mensurações morfológicas ou de dados genéticos, que suportem a divisão dos seres humanos em raças biológicas ou subespécies. Nenhuma peculiaridade morfológica ou genética é suficiente para separar os grupos humanos em categorias demarcadas. É preciso levar em consideração uma diversidade dados biológicos simultaneamente e, deste modo, as variações humanas aparecem distribuídas pelo globo, algumas isoladas, mas a grande maioria dispersa.


Por fim, vamos deixar claro: O desempenho depende muito da raça do atleta. Mas daquela raça que é sinônimo de garra. Porque na espécie humana não existe outra! Somos todos pertencentes a uma única e indivisível espécie!



Imagem adaptada de: Fonte.




Para um melhor entendimento da história da idéia de raça, assista a esta excelente palestra do sociólogo brasileiro Demétrio Magnoli.


Referências:


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